sábado, 28 de setembro de 2013

A Dança das Cadeiras

Hoje enquanto limpava a casa, percebi que não havia descido as cadeiras desde a última última limpeza. Há três delas na minha cozinha, uma perdi na mudança e só me dei conta, quase um mês depois.
Analisei e decidi: não descerei mais as cadeiras. Sei, pode parecer drástica, mas garanto ser bem fundamentada tal medida.
Nessa casa, moro sozinho e até onde sei, possuo apenas um traseiro. Portanto, não irei me desgastar nesse sobe e desce, não mais repetirei esse cotidiano ritual de invocação.
A decepção tem sido constância em minha vida. Falta de sorte ou excesso de esperança? Na dúvida, não vou mais esperar, nem desesperar. Se acaso pareço desesperado, é engano. Concerto e me assumo, des-esperante.
Não esperar, não vou tomarei meu chá com vista para espaços vazios e não terei mais objetos que me atrapalhem andar. Na minha vida só cabe o que me é útil.
Se por ventura, um dia eu acorde e decida por mim e comigo mesmo, sentar nas tais cadeiras, o farei. Uma de cada vez, duas a duas, as três simultaneamente! Na minha casa sou eu quem decide, afinal tudo sempre foi uma questão de "mim" , eu é que teimosamente insistia nesse "nós", como se de alguma forma eu pudesse atar com nós " você" à esse meu sempre solitário "eu".
Na mesa da cozinha havia quatro cadeiras, eu comia sozinho. Perdi uma e ainda sim, comia só. Hoje possuo três cadeiras toscamente empilhadas no canto ao lado da pia, pois hoje eu como só, e sobre a cama.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Nas Dunas do Tempo



Era quase noite e o dia descansava consolado pela escuridade que a noite lhe ofertava. A areia ainda estava quente sob meus pés e o vento, contrariamente frio, a soprava com natural suavidade contra meu rosto. À minha frente dunas se erguiam grandiosas cintilando sob uma última chama solar que ainda resistia aos encantos da amante.
Areia. O vento a sopra moldando monumentos. Ele, servo e devoto, obedece a maior e imutável das leis, o tempo. Um deserto é a instabilidade artística do vento, onde ele sopra, leva, surge, finda e começa. No deserto ele cria e o tempo se torna tão palpável quanto fugaz, tão vivo quanto poente... a areia que baila ao som dos séculos, faz do deserto um quadro vivo da temível força da mudança.
Como uma flecha cravada no coração do mundo, surge há alguns metros uma grandiosa pirâmide triangular em meio a areia.  A estrutura que a principio parecia lisa e bem acabada, se mostrou com a proximidade, disforme amontoado de rochas escuras. Uma meia lua vermelha se erguia no céu que, cravejado de estrelas, iluminava o dorso das gigantescas dunas no horizonte, fazendo do deserto um mar revolto e congelado.
A cavidade por onde entrei, tornou-se progressivamente um corredor escuro de onde eu pude perceber ao longe uma ligeira iluminação, que imediatamente me despertou singular curiosidade. No fim do corredor duas enormes colunas vermelhas marcavam o portal para um grande salão ricamente iluminado por inúmeras tochas acesas sobre suportes dourados nas paredes e teto. Um grande tapete cobria o chão traçando um caminho que dava e a um gigantesco trono que cintilava vivamente sob a luz do fogo.
Caminhei lentamente analisando o ambiente. Minha cabeça fazia mil especulações a medida que os olhos e sentidos se embriagavam da beleza e magia ali existentes. Andei cauteloso sobre o adornado tapete seguindo seus desenhos e escritos antigos cujo significado eu ignorava.
Fui subtraído de meus pensamentos por um sutil ruído vindo do elevado onde se encontrava o trono. Caminhei atento até o local. O ruído me pareceu um choro. Me assustei quando vi a pequena silhueta encolhida atrás do grande trono. Um garoto que ao meu julgamento não passava de nove anos, resmungava baixinho com os braços cruzados em volta das pequenas pernas. Me aproximei devagar e, num gesto quase que materno, levei a mão em direção aos seus cabelos, mas antes mesmo que pudesse toca-lo, ele escancarou olhos e boca num grito agudo e assustador encolhendo-se novamente logo depois. Assustado, pensei em correr, fugir... mas ao mesmo tempo não julgava correto deixar aquela criança sozinha.
 Olhei de cima do altar para o tapete e agora seus símbolos tomavam uma única e concreta forma de um homem, pude distinguir a letra “Q” gravada numa pulseira larga e bela no braço esquerdo da figura. Distraído com a imagem, mal percebi a movimentação do garoto que agora estava sorrindo de pé sobre o trono. O sorriso brilhava tanto quantos seus olhinhos negros de ônix. Ele me olhou com carinho e então abriu os braços num gesto todo infantil e despreocupado. Me aproximei e os bracinhos se fecharam em torno do meu corpo num abraço quente.
 Andamos por toda a pirâmide, ele me mostrava os objetos dourados e me narrava histórias descritas nas paredes. Ele me trouxe numa taça de cobre, uma bebida vermelha de aroma férreo e sabor adocicado que bebeu sem pressa enquanto me falava sobre a vida e sobre o viver. Tinha sempre num tom suave e amigo, falava animadamente de coisas bobas e triviais e fechava, com sentimento, os olhos quando lhe vinha à mente alguma boa lembrança.
Nos sentamos num grande sofá de cor amarelada olhando para o teto, graves como quem aguarda o recente sabendo o que dele esperar. O fogo nas tochas aos poucos fora minguando e não sei em que momento, adormecemos. Um período que me pareceu demasiado curto se passou até que acordei. A penumbra era ferida sistematicamente por um pequeno feixe de luz que a invadia o local por entre as rochas. Os olhos do garoto se abriram repentinamente e ele me olhou assustado e choroso. Tentei acalma-lo, porém sem sucesso. Então, num gesto que era só aflição, ele me apontou o tapete pelo qual passei na noite anterior. Como me pareceu injustificável permanecer em tal vislumbre, me virei novamente para ele e o que vi me emudeceu de imediato. À medida que o sol tomava o ambiente, o garoto se transformava, como se os anos se contassem em foto-partículas, ele envelhecia sob a luz dourada.
Com o olhar sofrido e pesaroso ele levou sua mão em minha direção no intuito de me afagar, foi quando a manga de sua túnica cedeu ao peso do tecido deixando ver um belo adorno em seu pulso, que principio não percebi, mas logo reconheci em susto que se tratava de uma bela pulseira de cobre com uma letra gravada. Minha consciência correu desorientada pelas memórias da noite anterior procurando um sentido ou lógica no que via.
O homem que se estendia ao meu lado então se levantou silente e calmo, caminhou até o trono dourado e antes de se sentar, colocou sobre a cabeça uma coroa verde com uma cobra de ouro na fronte. Também me levantei e sem entender bem o porquê, me ajoelhei à sua frente de cabeça baixa.
Um momento depois quando por fim ergui meu olhar, o trono estava vazio e o silêncio imperava. Resignado, caminhei em direção à imensidão arenosa que resplandecia sob o sol. Já fora da pirâmide, senti um olhar às minhas costas, meu semblante então converteu-se num sorriso tranquilo e feliz. Fechei os olhos e pedi ao vento que tocava em meu rosto, que soprasse minha prece ao tempo, desejando que ele mova as dunas, que ele mude as verdades e a vida e que em algum lugar desse sofrido deserto, meu oásis de pedra tome vida e me proteja do calor da caminhada e da sede de amor.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Estrelas e sorvetes

Te chamo de criança
 Te deito em meu colo
Aponto algumas estrelas
E te conto histórias sobre elas

Veja o quanto estão longe
Ainda sim podemos ver que brilham,
É assim nossa felicidade, meu pequeno

Se levante de pés descalços
Sinta a brisa, ouça os grilos
E feche bem seus olhos

Verá surgindo no horizonte
A luz de uma felicidade
Colorida como os sorvetes
Que vem derretendo todo passado de flocos escuros

Eu te envolvo em meus bracos
Embalando suavemente seus sonhos
A relva cintila sob nossos pés
Então sentimos mais uma vez
O calor do abraço, do carinho e do sol.