sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Algo tão doce

Certa vez, enquanto caminhava seguindo meu irremediável caminho, me deparei com uma diferente vegetação que se erguia do solo de forma bastante peculiar. Tal ato se mostra até hoje injustificável à minha consciência, mas eu, que possuía toda uma vida e problemas caindo sobre a cabeça, decidi de súbito, e sem nenhum propósito, escalar a tal planta.
Minhas mãos tentavam por toda sorte encontrar apoio na superfície lisa e escorregadia do vegetal, e por vezes escorregava arrancando algumas vargens que caiam batendo e rebatendo até o chão. A manhã fresca deixava úmidas minha pele e roupas a medida que a brisa os tocava com sutileza. Eu subi... subi muito. Subi tanto que o ato de subir já me era tão natural quanto estar inerte.  Senti que a massa branca que cobria a abóboda do céu ficava mais próxima... continuei subindo até que a atravessei.
 Meus olhos demoraram se habituar a paisagem tão fartamente banhada pela luz. O sol da manhã de debruçava preguiçosamente sobre as macias e fugazes nuvens que cobriam todo esse mundo recém descoberto. Caminhei vacilante sobre esse “solo” tão inóspito. Eu sempre tão apegado ao que é sólido e real, sentia-me inseguro e frágil tão distante do chão.
Avistei ao longe uma enorme estrutura... Um castelo, eu imaginei. Minha curiosidade e instintos não me deram alternativa senão ir ao seu encontro e investigar o interior. O castelo era, apesar de sua grandiosidade, cuidadosamente construído com pequenos tijolos de um tom amarelado do marrom. Havia apenas uma diminuta porta para a entrada, o que contrastava muito com as dimensões do mesmo. Abri a tal porta cuidadosamente e entrei explorando o ambiente. Das paredes desciam enormes cortinas coloridas do teto até o chão. Compridas escadas em espirais ligavam vários cômodos do castelo, dando um ar divertidamente labiríntico ao lugar. A luz que entrava pelas janelas, tomava a cor predominante do vitral da mesma... fachos de luz coloridos se encontravam, se cruzavam e misturavam repetidamente a minha frente.
Num momento, um cheiro suavemente adocicado tomou conta do ambiente me fazendo fechar vagarosamente os olhos e senti-lo com todos meus sentidos. Senti que uma presença na sala e me virei, com os olhos agora abertos, para fita-la. O que vi foi um amistoso sorriso, seguido de olhos igualmente felizes que me cumprimentavam do degrau mais alto de uma das escadas.
Um gigante!  Não sei como pude não me dar conta do quão pequeno eu era em relação aos outros objetos do castelo. Apesar da diferença de tamanho, dele eu não tive medo. Seu carinho e calor atraiam minha simpatia sem nenhum esforço e com naturalidade fácil. Andamos distraídos por um parque brilhante de nuvens alvas que cintilavam a luz do sol. Lhe contei sobre minha vida, contei algumas histórias que o distraíram. Lhe contei também sobre minhas dores e o fiz chorar. O gigante me contou belas fábulas sobre o lugar e me mostrava quão bonita podia ser a luz quando o orvalho se espalhava pelo céu. Andávamos juntos observando a beleza das poucas aves que voavam àquela altura.
O dia se passou como se passa uma vida: intenso e rápido...era difícil compreender tão grande era o carinho que sentia por ele, e pela primeira vez em minha vida,pude sentir um sincero e tangível sentimento dispensado a mim.  Sentados olhando o por do sol, vi em seus olhos o mesmo brilho que encontrei em lagos de calmaria. Senti a harmonia que existia entre ele e seu mundo, o que de forma muito sutil me fez sentir que aquele era acima de tudo, o seu mundo. Eu nunca faria parte dele.
A noite desceu debruçando sobre o meu corpo a mesma melancolia que arrastei durante toda a vida, numa mensagem silenciosa de que não se pode fugir do que se leva por dentro. Levantei com extremo cuidado para não acordar meu querido gigante e caminhei na direção em que se encontrava a planta pela qual subi. Eu iria embora.
O susto pelo que via se condensou num bloco de gelo no fundo do meu estomago. A planta havia desaparecido. Eu sentia que precisava ir embora, mas não havia como... eu nunca possuíra asas. Ouvi de muito longe um choro que rasgava a noite como um cetim frágil que se desfaz com o tempo.  Enxuguei a lágrima antes mesmo que ela caísse, apertei com força a boca e virei o rosto em direção oposta ao som.
A lembrança do que se passou ainda desce sobre mim como uma chuva forte de inverno. Não havia possibilidades. Aquela felicidade não era pra mim, eu nunca fui um ser que se vende a fantasias, nem nunca soube voar. Minhas cores são sóbrias e meu coração rígido. Não poderia sobreviver com ar tão rarefeito. Se me perguntassem se doeu, eu diria que sim, mas não a queda. O que me doeu foi deixá-lo. Sim eu o amava e ainda amo, e é justamente por isso que me joguei lá de cima. Para que não contaminasse a harmonia solene que imperava sobre nossas cabeças, para que o negro de minha alma não chovesse sobre ninguém.


Quanto ao gigante, ele me deu tudo. Ele me ensinou que os corações não devem ser esquecidos e que o amor é algo simples e possível de acontecer. Graças a ele, minha alma ainda vive e meu coração existe. Foi seu amor que me deu cor e coragem. E mesmo hoje, sempre que alvorada acende aquecendo o azul do céu, posso sentir em meu coração o sorriso cativante do menino que vendeu suas certezas por alguns sonhos mágicos e fez morada num castelo de fantasias sobre nós, para então se tornar “João o Gigante de Algodão.”

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Prismas

Meu riso triste escorre pelo chão
e não há quem com ele não se liquefaça.
Vem em ondas a frieza dessa melancolia
e não é preciso mais que uma brisa fraca para fazê-la ressoar.

Coração aberto é como gruta na praia
onde ondas atacam com fúria a resignação das rochas
e os ecos de sentimentos desconhecem as regras e ignoram grandezas temporais.

Amor é pedra brilhante arremessada em direção ao breu condensado de sentimentos findos.

Vagueio pelo mundo protegido do sol pela escuridão de cavernas cravadas na face do mundo.
O caminho entre elas é por vezes longo e minha pele reclama a ação do astro.

Tenho meu bolso cheio de pedrinhas tão brilhantes...
Elas cintilam quando as seguro entre os dedos e olho através delas.

Nesse momento, um vislumbre feliz se materializa numa nuvem de porvir e esperança,
através da qual vejo o contorno de seu corpo que se projeta ao longe.
O sol brilha em suas costas, e por mais que eu não o veja,
seu sorriso me fala de amor.