Certa
vez, enquanto caminhava seguindo meu irremediável caminho, me deparei com uma
diferente vegetação que se erguia do solo de forma bastante peculiar. Tal ato
se mostra até hoje injustificável à minha consciência, mas eu, que possuía toda
uma vida e problemas caindo sobre a cabeça, decidi de súbito, e sem nenhum
propósito, escalar a tal planta.
Minhas
mãos tentavam por toda sorte encontrar apoio na superfície lisa e escorregadia
do vegetal, e por vezes escorregava arrancando algumas vargens que caiam
batendo e rebatendo até o chão. A manhã fresca deixava úmidas minha pele e
roupas a medida que a brisa os tocava com sutileza. Eu subi... subi muito. Subi
tanto que o ato de subir já me era tão natural quanto estar inerte. Senti que a massa branca que cobria a abóboda
do céu ficava mais próxima... continuei subindo até que a atravessei.
Meus olhos demoraram se habituar a paisagem
tão fartamente banhada pela luz. O sol da manhã de debruçava preguiçosamente sobre
as macias e fugazes nuvens que cobriam todo esse mundo recém descoberto.
Caminhei vacilante sobre esse “solo” tão inóspito. Eu sempre tão apegado ao que
é sólido e real, sentia-me inseguro e frágil tão distante do chão.
Avistei
ao longe uma enorme estrutura... Um castelo, eu imaginei. Minha curiosidade e instintos
não me deram alternativa senão ir ao seu encontro e investigar o interior. O
castelo era, apesar de sua grandiosidade, cuidadosamente construído com
pequenos tijolos de um tom amarelado do marrom. Havia apenas uma diminuta porta
para a entrada, o que contrastava muito com as dimensões do mesmo. Abri a tal
porta cuidadosamente e entrei explorando o ambiente. Das paredes desciam
enormes cortinas coloridas do teto até o chão. Compridas escadas em espirais
ligavam vários cômodos do castelo, dando um ar divertidamente labiríntico ao
lugar. A luz que entrava pelas janelas, tomava a cor predominante do vitral da
mesma... fachos de luz coloridos se encontravam, se cruzavam e misturavam
repetidamente a minha frente.
Num
momento, um cheiro suavemente adocicado tomou conta do ambiente me fazendo
fechar vagarosamente os olhos e senti-lo com todos meus sentidos. Senti que uma
presença na sala e me virei, com os olhos agora abertos, para fita-la. O que vi
foi um amistoso sorriso, seguido de olhos igualmente felizes que me cumprimentavam
do degrau mais alto de uma das escadas.
Um
gigante! Não sei como pude não me dar
conta do quão pequeno eu era em relação aos outros objetos do castelo. Apesar
da diferença de tamanho, dele eu não
tive medo. Seu carinho e calor atraiam minha simpatia sem nenhum esforço e com
naturalidade fácil. Andamos distraídos por um parque brilhante de nuvens alvas
que cintilavam a luz do sol. Lhe contei sobre minha vida, contei algumas
histórias que o distraíram. Lhe contei também sobre minhas dores e o fiz
chorar. O gigante me contou belas fábulas sobre o lugar e me mostrava quão bonita
podia ser a luz quando o orvalho se espalhava pelo céu. Andávamos juntos
observando a beleza das poucas aves que voavam àquela altura.
O
dia se passou como se passa uma vida: intenso e rápido...era difícil compreender
tão grande era o carinho que sentia por ele, e pela primeira vez em minha vida,pude
sentir um sincero e tangível sentimento dispensado a mim. Sentados olhando o por do sol, vi em seus
olhos o mesmo brilho que encontrei em lagos de calmaria. Senti a harmonia que
existia entre ele e seu mundo, o que de forma muito sutil me fez sentir que
aquele era acima de tudo, o seu mundo.
Eu nunca faria parte dele.
A
noite desceu debruçando sobre o meu corpo a mesma melancolia que arrastei
durante toda a vida, numa mensagem silenciosa de que não se pode fugir do que
se leva por dentro. Levantei com extremo cuidado para não acordar meu querido
gigante e caminhei na direção em que se encontrava a planta pela qual subi. Eu
iria embora.
O
susto pelo que via se condensou num bloco de gelo no fundo do meu estomago. A
planta havia desaparecido. Eu sentia que precisava ir embora, mas não havia
como... eu nunca possuíra asas. Ouvi de muito longe um choro que rasgava a
noite como um cetim frágil que se desfaz com o tempo. Enxuguei a lágrima antes mesmo que ela caísse,
apertei com força a boca e virei o rosto em direção oposta ao som.
A
lembrança do que se passou ainda desce sobre mim como uma chuva forte de
inverno. Não havia possibilidades. Aquela felicidade não era pra mim, eu nunca
fui um ser que se vende a fantasias, nem nunca soube voar. Minhas cores são
sóbrias e meu coração rígido. Não poderia sobreviver com ar tão rarefeito. Se
me perguntassem se doeu, eu diria que sim, mas não a queda. O que me doeu foi deixá-lo.
Sim eu o amava e ainda amo, e é justamente por isso que me joguei lá de cima.
Para que não contaminasse a harmonia solene que imperava sobre nossas cabeças,
para que o negro de minha alma não chovesse sobre ninguém.
Quanto
ao gigante, ele me deu tudo. Ele me ensinou que os corações não devem ser
esquecidos e que o amor é algo simples e possível de acontecer. Graças a ele,
minha alma ainda vive e meu coração existe. Foi seu amor que me deu cor e
coragem. E mesmo hoje, sempre que alvorada acende aquecendo o azul do céu,
posso sentir em meu coração o sorriso cativante do menino que vendeu suas
certezas por alguns sonhos mágicos e fez morada num castelo de fantasias sobre
nós, para então se tornar “João o Gigante de Algodão.”
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