quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Escuro

Durante noites sem fim e dias cada vez mais escuros, eu velei seu recanto. Meu olhar e sentidos eram incansáveis e atenciosos. Fiz de sua proteção meu oficio, como se fosse eu o portador da tal felicidade.
Eu quis vender o que me restava de vida pela oportunidade de curar suas feridas. Pudera eu voltar no tempo e retirar cada pedra pontiaguda da estrada antes que tropeçasse e apagar toda memória sangrenta de quem um dia o magoou. Mas não é possível. O que pude foi tentar fazer com que o presente seja digno de memórias felizes e perenes no seu coração. Tentei de todo o coração ser o motivo do seu melhor sorriso do dia, a mão que te acaricia os cabelos até que o sono chegue e a cada virada de noite eu desejei, antes mesmo que adormecesse, que o dia vindouro fosse mais feliz.
Um pequeno estalo. Mais um estalo e esse foi seguido de um grande estrondo. Meus olhos rapidamente se tornaram alertas e descobriram a causa do ruído. Atônito eu fitava em agonia seu recanto. Sua concha havia se deslocado e balançava ameaçadoramente a beira do precipício. O medo tomou um novo sentido e eu encarei sua face com tamanha proximidade que sua respiração arrepiou minha pele.
Cada partícula temporal era um século em minha mente que calculava cada possibilidade descartando-a logo em seguida. Foi com sofrida convicção que mensurei minha displicente ingenuidade. Por certo me distrai ou me fiz cego, mas de alguma forma não percebi a verdade que gritava a minha frente...fora você próprio a mover a concha, era sua a vontade de cair!
Dor. Nunca havia parado pra pensar no significado de tal palavra, mas nesse momento eu o conheci intimamente. O coração quase curado de outras aventuras batia sôfrego e os olhos secos de outrora transbordavam um pranto sofrido e desesperado que dava à água salgada uma nota de dolorosa tristeza.
A visão distorcida me ofertou uma ultima imagem onde te vejo com a face plácida, que lhe é típica, sumir na escuridão. O silencio foi absoluto e o mar por um instante se calou em respeito ao meu luto. As bolhas que subiram me trouxeram a lembrança feliz de nossas brincadeiras com espuma, mas eu não sorri.
  
Não sei quanto tempo se passou até que eu pudesse me mover e quando finalmente consegui não sabia pra onde ir. Eu havia perdido você, os planos traçados, bem como a vontade de que exista o que eu chamei até então de futuro. Ao mesmo tempo eu pensava o que seria de você, recalculava possíveis erros... tudo em vão. Eu bebia agora um copo largo e cheio de amarga realidade.
Percebi, quase em susto, um calor ameno em meu peito. A chama. O silencio quase eterno foi rompido em minha mente e a voz doce e muito familiar do oceano me lembrou da frase tantas vezes por mim repetida “Poucos são os que têm a coragem de se arriscar em banhos noturnos”. Um sorriso melancólico amanheceu em meu rosto num reconhecimento a missão confiada e por mim aceita.
Me debrucei sobre uma grande rocha e a rasguei com os próprios dedos, escrevendo nela nossa história. O sangue se erguia nas águas como vis serpentes misturando-se a liquidez de minhas lágrimas. Olhei uma ultima vez para o céu e pude ver a sombra de uma pequena borboleta que pousou delicada sobre a água. O sol poente invadia teimosamente a barreira do horizonte, desenrolando sobre os corais do solo marinho, um tapete de um dourado quase solene.
Quando por fim emergir das profundezas, provavelmente não reconhecerá meu sacrifício e talvez eu não esteja vivo para ver seu sorriso carinhoso, quero apenas que a lembrança dos momentos vividos te guie minha criança à nossa terra prometida, para que as pedras seculares trilhem o caminho dourado que leva a colina, onde você poderá ver a paisagem e sorrir para o mundo novamente já livre de dores e lavado do sangue carmim de outros amores. Desejo ainda que esteja atento quando o vento tocar seus cabelos assim como eu fazia e que se lembre do que eu dizia sobre a mudança.






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