Durante noites
sem fim e dias cada vez mais escuros, eu velei seu recanto. Meu olhar e
sentidos eram incansáveis e atenciosos. Fiz de sua proteção meu oficio, como se
fosse eu o portador da tal felicidade.
Eu quis
vender o que me restava de vida pela oportunidade de curar suas feridas. Pudera
eu voltar no tempo e retirar cada pedra pontiaguda da estrada antes que tropeçasse
e apagar toda memória sangrenta de quem um dia o magoou. Mas não é possível. O
que pude foi tentar fazer com que o presente seja digno de memórias felizes e
perenes no seu coração. Tentei de todo o coração ser o motivo do seu melhor
sorriso do dia, a mão que te acaricia os cabelos até que o sono chegue e a cada
virada de noite eu desejei, antes mesmo que adormecesse, que o dia vindouro
fosse mais feliz.
Um pequeno
estalo. Mais um estalo e esse foi seguido de um grande estrondo. Meus olhos
rapidamente se tornaram alertas e descobriram a causa do ruído. Atônito eu fitava
em agonia seu recanto. Sua concha havia se deslocado e balançava ameaçadoramente
a beira do precipício. O medo tomou um novo sentido e eu encarei sua face com
tamanha proximidade que sua respiração arrepiou minha pele.
Cada
partícula temporal era um século em minha mente que calculava cada
possibilidade descartando-a logo em seguida. Foi com sofrida convicção que
mensurei minha displicente ingenuidade. Por certo me distrai ou me fiz cego,
mas de alguma forma não percebi a verdade que gritava a minha frente...fora
você próprio a mover a concha, era sua a vontade de cair!
Dor. Nunca
havia parado pra pensar no significado de tal palavra, mas nesse momento eu o
conheci intimamente. O coração quase curado de outras aventuras batia sôfrego e
os olhos secos de outrora transbordavam um pranto sofrido e desesperado que dava
à água salgada uma nota de dolorosa tristeza.
A visão
distorcida me ofertou uma ultima imagem onde te vejo com a face plácida, que
lhe é típica, sumir na escuridão. O silencio foi absoluto e o mar por um
instante se calou em respeito ao meu luto. As bolhas que subiram me trouxeram a
lembrança feliz de nossas brincadeiras com espuma, mas eu não sorri.
Não sei
quanto tempo se passou até que eu pudesse me mover e quando finalmente consegui
não sabia pra onde ir. Eu havia perdido você, os planos traçados, bem como a
vontade de que exista o que eu chamei até então de futuro. Ao mesmo tempo eu
pensava o que seria de você, recalculava possíveis erros... tudo em vão. Eu
bebia agora um copo largo e cheio de amarga realidade.
Percebi, quase
em susto, um calor ameno em meu peito. A chama. O silencio quase eterno foi
rompido em minha mente e a voz doce e muito familiar do oceano me lembrou da
frase tantas vezes por mim repetida “Poucos são os que têm a coragem de se
arriscar em banhos noturnos”. Um sorriso melancólico amanheceu em meu rosto num
reconhecimento a missão confiada e por mim aceita.
Me debrucei sobre
uma grande rocha e a rasguei com os próprios dedos, escrevendo nela nossa
história. O sangue se erguia nas águas como vis serpentes misturando-se a
liquidez de minhas lágrimas. Olhei uma ultima vez para o céu e pude ver a
sombra de uma pequena borboleta que pousou delicada sobre a água. O sol poente
invadia teimosamente a barreira do horizonte, desenrolando sobre os corais do solo
marinho, um tapete de um dourado quase solene.
Quando por
fim emergir das profundezas, provavelmente não reconhecerá meu sacrifício e talvez
eu não esteja vivo para ver seu sorriso carinhoso, quero apenas que a lembrança
dos momentos vividos te guie minha criança à nossa terra prometida, para que as
pedras seculares trilhem o caminho dourado que leva a colina, onde você poderá ver
a paisagem e sorrir para o mundo novamente já livre de dores e lavado do sangue
carmim de outros amores. Desejo ainda que esteja atento quando o vento tocar
seus cabelos assim como eu fazia e que se lembre do que eu dizia sobre a
mudança.
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