quarta-feira, 31 de julho de 2013

Pérola

A medida em que meu corpo afundava, a pressão aumentava proporcionalmente inversa a temperatura que só caia. Algas escuras presas a rochas igualmente negras, dançavam lânguidas num ritual tão antigo quanto o mar.

Varri toda a floresta negra, todos os cantos, debaixo de cada rocha. Quando já sem esperanças, divisei por detrás de uma grotesca cadeia de corais a beira de um precipício submerso, a silhueta de uma grande concha. Ostra disforme de um enojante tom de verde. A chama em meu coração brilhou mais forte, eu havia chegado.

Meu corpo exausto e sem forças, sentiu cada ferida, cada laceração sofrida. A corrente marinha chicoteava-me impiedosa e o frio cortava como o aço, porém o descanso ainda era uma quimera, você ainda se encontrava preso, cativo da fortaleza por você tão bem construída, seu recanto. Os sentimentos já apodrecidos pelo tempo tornavam densa e fétida a água. O lugar era um cenário de funesta desolação.

Longa foi a jornada e árduo o caminho, mas naquele momento tudo pareceu em vão, me vi incapaz de te libertar. Não sabia o que fazer, como agir, como chegar até você. A arquitetura da concha era uma vil armadilha. Não possuía forças para carregá-la, forçá-la seria arriscado pois se quebrada você seria ferido, eu não podia ao menos me aproximar, qualquer movimento poderia lançá-la precipício abaixo, levando-te pra sempre.

Meu corpo sofria com a pressão da água, os pulmões ardiam e meu coração se rasgava em agonia. Eu que desde muito pequeno me tornara imune a maioria dos venenos, absorvia da água escura, grande quantidade do pior deles... o medo.
Medo de que eu te machuque, medo de que eu não tenha fôlego suficiente, medo que você caia no fundo desse oceano que é só trevas, medo de que você não suporte os séculos de reclusão, medo de que não seja eu a te resgatar. Eu me tornara uma criatura de dor, medo e sofridas inseguranças.

Eu só peço minha criança, que ouça meu chamado e sinta o meu coração se abrindo por você. Eu estou aqui, vim ao mais escuro recanto do seu mar pra te salvar, te libertar e para entender que só você poderia fazê-lo. Se observar pela rachadura em sua concha, poderá ver uma luzinha, uma pequena e insistente chama que brilha em meu peito, e perceberá que apesar de o mundo ser o mesmo lugar escuro por aqui, tal chama pode te levar e te elevar, para longe daqui, onde as águas sejam claras, os sentimentos mais quentes e os amores verdadeiros.






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