quarta-feira, 17 de julho de 2013

Netuno



Abri os olhos que foram imediatamente atacados por uma fresta de luz que invadia o quarto escuro a cada lufada de vento que balançava o tecido negro que cobria a janela. Meu corpo ainda adormecido se virou na cama lentamente deixando dependurada uma das mãos.
Mais uma lufada de vento, a fresta nos olhos e um toque gélido na ponta dos dedos. Os olhos arregalados e o corpo todo pulsando.  Era o sinal que há tempos esperava. Sentei-me na cama submergindo as pernas até o joelho sentindo o frescor do mar. Era Ele. Ergui-me num ato todo solene e caminhei em direção à porta. Pude, então, constatar que toda a casa estava submersa pela água. Quadros, tapetes, meus livros... todos boiando na superfície azulada.
Abri com dificuldade o portão frontal e a imensidão azul se estendia a minha frente, grandiosa e eterna. Alguns pássaros cantavam e voavam em círculos por não ter onde pousar... o mundo naquele momento era só Dele. Com água agora pela cintura, caminhei para o horizonte com um sorriso largo no rosto e os olhos marejados de emoção. Ele havia chegado. Ele, Filho do Mar, Príncipe do Palácio Submerso, ser das profundezas azuis chegou e trouxe consigo imensidão e fúria do oceano.
A poucos metros de distancia, como um tapete que se desfia, o mar se agitou em redemoinhos... pequenas ondas tocaram meu tórax. Como se um segundo sol amanhecesse no horizonte, a silhueta de seu corpo se ergueu das águas. Seus cabelos muito lisos acompanhavam os traços rijos de sua face. Sua pele cobreada, cuidadosamente adornada por runas mágicas de outros tempos, cintilava ao sol da manhã. Uma gota d’água se desprendeu de sua barba retornando ao azul.
Seu sorriso carinhoso tocou meu olhar com ternura e pude sentir o movimento da água que se moldava de acordo com sua aproximação. Mal podia conceber tamanha felicidade. Ele estava ali pra me levar. Ele que até então estava sobre um totem de impossibilidade, agora movia a água fresca que tocava todo o meu corpo.
Uma de suas mãos tocou a minha, a outra foi carinhosamente pousada em minha face. O toque não era quente, mas trouxe-me o conforto. Aproximei meu rosto do seu, tocando de leve a ponta do nariz em sua orelha, e sussurrei baixinho: Eu sempre te esperei.
Senti que sua face se afastava da minha. Ele me olhou com sorriso naqueles olhos muito negros, sua boca se abriu lentamente e, então... Eu afundei! Afundei agarrando-me com força em suas pernas. Não queria ouvir, não queria saber. Só queria ir com ele. Meu gesto foi facilmente entendido. Com rapidez extraordinária ele me puxou para o fundo iniciando um voo submerso no qual eu mal podia discernir as formas da paisagem ao redor. De repente uma luz surgiu ao longe e num átimo de segundo explodiu em meus olhos.
Abri os olhos que estavam expostos a luz que entrava pela janela cuja cortina negra havia se desprendido. Olhei para o lado e pude ver sua silhueta que como uma cadeia de montanhas se erguia sobre os lençóis alvos de minha cama. Mais uma lufada de vento, e essa trouxe consigo um aroma fresco e divino que aqueceu meu coração com a certeza de que ele ficaria...comigo.                                                                                                                       

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