A medida
em que meu corpo afundava, a pressão aumentava proporcionalmente
inversa a temperatura que só caia. Algas escuras presas a rochas
igualmente negras, dançavam lânguidas num ritual tão antigo quanto
o mar.
Varri toda a floresta negra, todos os cantos, debaixo de cada rocha. Quando
já sem esperanças, divisei por detrás de uma grotesca cadeia de
corais a beira de um precipício submerso, a silhueta de uma
grande concha. Ostra disforme de um enojante tom de verde. A chama em
meu coração brilhou mais forte, eu havia chegado.
Meu
corpo exausto e sem forças, sentiu cada ferida, cada laceração
sofrida. A corrente marinha chicoteava-me impiedosa e o frio cortava
como o aço, porém o descanso ainda era uma quimera, você ainda se
encontrava preso, cativo da fortaleza por você tão bem construída,
seu recanto. Os sentimentos já apodrecidos pelo tempo
tornavam densa e fétida a água. O lugar era um
cenário de funesta desolação.
Longa
foi a jornada e árduo o caminho, mas naquele momento tudo pareceu em
vão, me vi incapaz de te libertar. Não sabia o que fazer, como
agir, como chegar até você. A arquitetura da concha era uma vil
armadilha. Não possuía forças para carregá-la, forçá-la seria
arriscado pois se quebrada você seria ferido, eu não podia ao menos
me aproximar, qualquer movimento poderia lançá-la precipício
abaixo, levando-te pra sempre.
Meu
corpo sofria com a pressão da água, os pulmões ardiam e meu
coração se rasgava em agonia. Eu que
desde muito pequeno me tornara imune a maioria dos venenos,
absorvia da água escura, grande quantidade do pior deles... o medo.
Medo de
que eu te machuque, medo de que eu não tenha fôlego suficiente, medo que você caia no fundo desse oceano que é
só trevas, medo de que você não suporte os séculos de reclusão,
medo de que não seja eu a te resgatar. Eu me tornara uma criatura de
dor, medo e sofridas inseguranças.
Eu só
peço minha criança, que ouça meu chamado e sinta o meu coração se
abrindo por você. Eu estou aqui, vim ao mais escuro recanto do seu
mar pra te salvar, te libertar e para entender que só você poderia
fazê-lo. Se observar pela rachadura em sua concha, poderá ver uma
luzinha, uma pequena e insistente chama que brilha em meu peito, e
perceberá que apesar de o mundo ser o mesmo lugar escuro por aqui,
tal chama pode te levar e te elevar, para longe daqui, onde as águas
sejam claras, os sentimentos mais quentes e os amores verdadeiros.