Tanto tempo se passou, tanto já se viveu, o quanto já morreu. E teimosamente repousando sobre um galho seco, você ainda está.
Não te acuso de invasão, pois se fez ninho aqui, foi porque o chamei.
Você que traz a chuva fria que molha meu peito, que inunda minha alma, que encharca meu leito.
Eu sei que agora sou bem maior que você. Pois você é tão pequena que não se enxerga. Porém maior que ambos sempre foi esse monstro de face dura e boca escancarada, essa figura grotesca de uma paixão não alimentada.
Me encontro agora, acorrentado à frondosa e ressequida árvore negra das lembranças de minha dor. Onde frutos fétidos e tão negros quando as memórias, caem sobre minha cabeça, se despedaçando, fazendo-me imundo e miserável.
Dia após dia esse monstro me devorou o coração, vomitando-o em meu peito a cada crepúsculo sangrento. Quando por fim se saciou, me deixou ali prezo, a mercê dos ventos que me chicoteavam a pele.
A desgraçada ferida se fechou como caixão escuro, onde jaz um coração mutilado e contaminado pela saliva da fera maldita. Desde de então, é em meu peito que queima sua ira, sua fome. É na carne podre do meu corpo que a fera se apresenta, é de minha garganta que provém seu grito e é com minhas mãos que ela fere.
Por vezes a prendo, mas é em vão que tento esquecê-la pois o rugir que ecoa no meu peito, cala todas canções, ensurdece os amores, emudece os corações.
É sua ave negra, a asa que cujas penas roçam meu dorso, cujo revoar sopra em meu rosto a brisa gélida e fétida que me faz vomitar. Onde cuspo tudo o que é bom, fetos disformes do que sobreviveu e que não suporta mais estar em mim.
Voa ave de agouro, voa pra longe, corta com asas de navalha as nuvens escuras no horizonte, leva consigo a chuva maldita, se molha das lágrimas que caem do meu rosto.
Pois por mais perpétua que tenha sido a noite, a alvorada acende solene, aquecendo e iluminando, enchendo de vida a terra, fazendo florir os troncos secos, trazendo o calor de um amor no peito, a força de uma presença carinhosa e a certeza de que o dia irá durar.
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