"O Sol, meu pai, poupa-me a pele e os olhos,
Me chama de filho, ilumina o meu caminho e me guia
Pela
estrada do mundo pelas quais passo e vivo."
Poeta, Heliandro Rosa
A música, que o dia escolheu para reger os seres que a
ouvem, ecoa em meu corpo que a reproduz em notas destoantes e similares. A luz
do sol faz brilhar as pérolas nos olhares esperançosos e felizes que aguardam
com euforia o desfecho do maior concerto de todos os dias, que sempre acontece
e nunca para, no qual a vida canta em voz alta e grave para que possamos, todos
de longe, ouvir e acompanhar a melodia... cada um com seu coração batente.
O dia vindouro traz sobre a fronte um véu de mistério que não
nos permite ver sua face, é sempre preciso cerrar os olhos e abrir a alma para
sentir o que virá.
As asas milenares, antigas e enferrujadas, agora adornadas com
galhos secos e rosas cobreadas, estão abertas ao sol da manhã. O peito inflado solta
um grito de satisfação plena e esperança renovada fazendo lembrar que o brilho
do sol só reflete em olhos abertos para ele.
Pergunto-me aonde me levarão tais asas que guardei, enquanto
buscava com os meus próprios passos o abrigo perfeito para a tormenta. Eu que sempre
preferi o solo e que a ele me ofertei como filho, me vendendo a tudo que é
fácil e vulgar.
Abandonado às terras
crestadas de minha realidade, despido de toda a segurança e conforto que os pés
no chão denotavam, não pude mais ignorar a origem celeste do corpo, nem o calor
que queima em meu peito.
O que restou foi o
que sempre trouxe nos olhos: um legado de pura e real liberdade. Tudo que preciso
possui a envergadura de um sonho e a pungência desse meu querer, que não se
prende a nada, que é indefinido e matricial.
Tal como a onda invade a terra, meu peito tem sido lavado a
cada lufada de vento que toca a baía do meu coração, destruindo toda a vila de
desejos e amores que fragilmente construí a beira mar. O novo sempre arrasta o
que tenho, fazendo-se dono do que não soube cuidar.
Olhando para o céu que cintila sobre minha cabeça, vejo ao
longe a silhueta do meu mundo que me fita de longe com olhar caridoso e cheio
de ternura.
Que o sol, que hoje brilha no céu, seja como o pai que nunca
tive aquecendo meu peito e desfazendo as amarguras que se agarram em minha alma,
me prendendo ao que é pouco e ruim. E que minhas asas, herança de um tempo sem
dor nem remorsos, possam ser fortes o suficiente para me elevarem até ele.
Que no colo desse pai seja eu acolhido e compreendido como o filho que partiu sem vontade e se demorou pela pouca fé. Que ele ouça minha história com atenção e carinho, que seu julgo se faça leve e que seu amor me perdoe.
Que seja lá o meu lar, onde a chuva diária lave de minha
alma as imperfeições que carrego, fazendo de mim limpo e digno de viver e que eu
sinta que de fato pertenço a esse mundo que é todo beleza e luz.
Que o novo possa se tornar constância a fim de que o
desprendimento me ensine amar como quem vivera sempre ou morrerá eternamente.
De asas arqueadas e coração carregado de esperanças e
saudades, bato no chão os pés que até hoje só me levaram a lugares de onde quis
partir e me ergo do solo sublimando toda uma vida de tristeza e insatisfação, da
qual levo o pouco que vi e o que aprendi na certeza de que o mundo nunca me
daria amor suficiente para preencher esse meu coração que é bem maior que todo
ele.
Caramba! Provavelmente seu melhor até agora! Ou pelo menos o que mais mexeu comigo. Parabéns!
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